Com rosas iguais ao canto

Estava ali um verso
Junto ao canto 
Que alumiou alto
Em contrabaixo
As raivas iguais ao pranto.

Estava ali
O olhar antes não via.
O verso 
Candeou no escuro
Ateou um manto 
Com rodas iguais ao espanto.

Vi... 
E o que não vi
Estava ali 
Onde o ver antes não via.
O verso 
Em contrabaixo
Junto ao canto,
Dançou a morte sem guia.
Tanto amor igual a tanto!...


...Mas a vista ressentia
Tanto quase ou tanto aquém.
Parecia que dizia:
- O que é alguém?
O que não é alguém?...

Estava ali...
Verso ao pranto
Com rosas iguais ao canto.

Paulo Anes

Não sei...

Não sei se as cócegas da morte 
Enobrecem o ser humano
Nem se os campos 
Que me atravessam os olhos
São prantos
Ou só espantos...


Sei que tenho azia
E não é nada disto que eu queria.


Paulo Anes

Sei lá...

Tu já fugiste com a bandeja dos restos,
Eu, com o  cofre das memórias perdidas.
Desatámos caninos, lambemos os gestos,
E os cestos côncavos albergaram feridas.

Seremos crianças raptadas
Aplaudidas pela família pobre
Para quem as indemnizações dadas
Cegam a vida para matar a fome?

Ó céus!...
A resposta é Deus,
Esse mesmo, 
O amor-mor dos ateus.



Paulo Anes

Ao pranto de ir para ali

Trutas, marmelos,

Fitas, tomates, martelos

Baixa a cabeça e vocifera

Ao rubro malte de doze anos

Aos pasquins das esquinas de mim

Aos que me chateiam

Aos molhos

Trutas, marmelos,

Fitas, tomates, martelos

Baixa a cabeça e vomita após tudo

Ao que me esquece
Ao que parece o que não parece 
Ao pranto de ir para ali.

Paulo Anes

Tens algo que eu nunca tive meu amor

Tens algo que eu nunca tive meu amor...
Família às direitas,
Emprego calmamente
E sossegadamente
Todos os dias há sol
Sem cicatrizes
E montes, verdes montes,
Cheinhos de ondas
A brincar aos horizontes 
No peito mole
Dos felizes.

Tens algo que eu nunca tive meu amor...
Esse acordar de lado 
Ao lado da vitória
Conquistada por ninguém;
Vã glória
Do avesso a corar
Como o reflexo na lama
De um inverno ao luar.

Já viste as marcas do inferno na lua?
Viste, por acaso, um bêbedo na rua?
Tiveste tonturas de dinheiro?
Suaste o vómito de um marinheiro?

Tens algo que eu nunca tive meu amor...
O sonho inteiro.

Paulo Anes