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05/12/2016

Ensaio sobre a loucura


Sorrisos giocondas
Chuvas raleiras de insónias
Visões, seios acocorados
Azinheiras sodomizadas por Sodoma em Gomorra
Reflexões da loucura sobre a loucura
Que a loucura, diz a loucura, é absoluta
A loucura, diz a loucura,
É absolutamente relativa
Que quem de mim, diz a loucura,
Pode dizer que é louco?
Que quem? 
Quem?
Tu?



Paulo Anes

07/11/2016

Quem era eu no século passado?

Adormeci a crer-te
Luar de noite vermelha
E por revés e de esguelha
Habituei-me a erguer-te 
E ao que nunca me darás
 

Enterrei esse trono
Era uma côdea cansada
E na tua boca em cilada
Sepultei-me num sono
Que era um sonho lá atrás.


Paulo Anes

06/11/2016

Talvez também o mar

Espécie de fogueira, 
Eira, bebedeira, piegas
Sinónimo de pedra esculpida
Em cabeças de xisto,
Lancheira de poesia sem pegas,
Retalhista de causas perdidas,
Tenho para mim que as gentes que riem são paridas.

Infelizmente não consigo vê-lo: o riso.
Não tenho olhos senão p'ró lamentar.
Nem passado, nem futuro
Só presente a caminhar
E, talvez, também o mar.


Paulo Anes

04/11/2016

A invenção do só para uso próprio



Todo o novo envelhece,
Todo o calor esfria,
Toda a beleza fenece,
Como água benta sem pia. 

Sobro, minto, absinto,
Sinto o que não sinto,
Desdigo o que não foi dito,
Fito o que não tem jeito,
Assassino esse mito
Mal feito.

E na hora certa
Do minuto do segundo seguinte,
A história futura chama-se sorte.   
Pasmo como um pedinte.  
A bússola que me deram não tem norte.


Paulo Anes

01/11/2016

Inconsciênciatividade


O que me traz desapeado
Ao que me atenho
Aconselha-me a ir aí
A esse nenhum lado
Por onde não venho
Utopiar num cobertor sujo 
De humanidades porcas
P'ra contar aos netos
Não casar com a fadista da casa 

Porque a admiro
Não admirar porque a admiração 

É a inveja inconsciente
Não usar a mente
Porque mente


Paulo Anes

30/10/2016

Eunoé


Dentro do peito cósmico
Escuto palavras não ditas.
Escuto infernos
Dos que calam esperando,
Escuto céus esmagados,
Outros esmagando,
Escuto almas eremitas,
Umas nas outras, enfim, pousando
.


Paulo Anes

26/10/2016

Era com certeza um dia

Eram coisas, muitas coisas,
A desaguar cólera nos meninos
Que andavam às cavalitas 
Da aldeia dessas coisas.

"Faz frio!..."- gritavam
À cólera perguntavam:
"Somos coisas? Cavalitas? Somos gente?..."
Matutavam, refutavam, escutavam.
Sequer eco, sequer pio.
Apenas o leite de uma mãe quimera.
Apenas o frio.

Era com certeza um dia.
Sei-o porque sofria
(Se sofro por dentro,


Por fora há um dia)

E tudo espasmos,
Teoremas sem teor,
Gotas de ossos,
Profetas sonsos
Dentadas de olhos lassos
Salgados na visão dos cansaços...

Coisas, coisas, muitas coisas...
Miradouros das vidas que dormem
Na loucura daquilo que se espera das coisas
E não do Homem.




Paulo Anes








25/10/2016

O Inominado

Desejar é estar distraído.
A vadiar se vê o longe.
No caminho convertido
Trota a derrota do monge.

O inesperado alma o sagrado,
O que foi, o que é, o que será,
O Deus sem nome, o Inominado,
O Poema que se cumprirá.


Paulo Anes

17/10/2016

Amnésia por procuração

Ternos momentos de amnésia
Suicidavam-te o pranto,
E certas vestes mentidas,
Acercavam-te do esquecimento.

Descias pelas palavras,
Morrias nos poemas;
Sublime?
Apenas terror de nuvens
nos céus irados.

Ó se me lembro
Eras silhueta alada
De azul no assombro 
De azul-nu nada.


Paulo Anes

08/10/2016

Morrer para matar o tempo



Gostava de encontrar uma criminosa
Que me ensinasse a amar
Morrer sossegadamente
No teatro das verdades aquáticas,
Onde chapinham sedes ciclópicas,..

Crianças  reformadas,
Velhas ruminam  histórias não amansadas
Velhos condenadas a penas de vida
Dependuradas p'los pesados dedos dos pés,
Como Anteus emaranhados no sargaço
Onde o Homem tira notas do que nunca fez.

Gostava de encontrar uma criminosa
Que me ensinasse a amar;
Morrer sossegadamente.
Amar porque sim.
Morrer para matar o tempo...
Traiçoeiramente!






Paulo Anes


06/10/2016

Procrastinação

Ainda não está...
Está quase...
Porque não já?
Não digo mais nesta frase...
Amanhã logo se verá.
O filho de hoje
Já cá não estará. 

Paulo Anes

19/09/2016

Inquietação

Escabreio-me 
Ó inquietação infiel,
Que só não o és,  
Ou deixas de o ser,
Porque eu tenho papel
E um poema p'ra escrever.



Paulo Anes

11/09/2016

Enlouqueci, claro...


Meio rumor, meio algazarra,
Meio clarim a atroar a meias
Antífonas, desesperos repetidos,
Dores no osso de ser daqui,
Danças peadas,
Oásis sem chão,
Crianças azoeiradas
Entre sim e não .

Ó Pais-Nossos que estais na terra,
Rabos-leva envilecidos
Invictamente vencidos
Teimosamente achados por perdidos.

E vós, também, ó Mães-Maria
Cheias de meia graça, 
Meias sensações de intervalo,
Meias semi-dança 
Meias de tanto esteio
Que tanto seio cansa

(Evoé! Evoé!... 
Santa Maria Mãe de Deus 
Dái-me pecados só meus...)

Eis os lares charros da loucura!...
Compreendo o que compreendo.
Rio do resto.


Paulo Anes