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25/09/2015

Fechado num cadinho sagrado

Vate de um fado soturno
Ida impossível de não ir
Se é sangue que sangro e espumo,
Se é caminho ou só carpir.

Onde és incerteza que espero?
Mulher certa ... é incerto sair?
Quero quanto quando quero?

Se te ouço,
Assento bravo e arroto a plainar...
Se balouço
O coração é-me um estranho a estranhar

Assim vou ,
Utopia que amuou
Báculo,
Tabernáculo,
Assombro dos serões,
Às portas fechadas de par em par;
Escoliose das procissões
Sem Andor nem andar.

Ó que eu sou tudo
Sou português.
Um cadinho no céu,
Outro no definitivo talvez.


Paulo Anes

22/09/2015

Parto de fé

Parto à procura
Do que quer que seja
E o que quer que seja
Onde quer que esteja
Está sempre aqui.


Paulo Anes

20/09/2015

Evade-se o lugar em que faleço

Não vivo,
Veto
Vou
Não acordo
Amanheço...
Letra à letra desfalcado,
Dilúvio desbocado
Em que esmoreço.

Não peso,
Penso,

Esqueço...
Não durmo
Anoiteço.
Evade-se o lugar
Em que faleço.

E do que não faço e refaço
Estoira agreste o chicote em que renasço.


Paulo Anes

18/09/2015

Aperto

Como voltar ao caminho
Se a maré não dá sossego,
Se os brinquedos de menino
Arderam em lume cego?

Quanto mais canto mais sofro
Fadigas, piras esfaimadas;
Quanto mais longe mais gosto,
Ó ocas bocas espancadas.

O  agosto manca, peca fechado.
- À mãezinha?... És o sol p'ra ela.
Mas o fado fardo pesado
Não pesa sair dessa cela.

O dia é inverno; alonga-se a faina,
A dor não desfaz… tampouco amaina.



Paulo Anes

17/09/2015

Trota o frio

Trota o frio…
O ciúme é o amor sem brio.
Sonhei que o céu era talhado
Numa pedra roubada ao fado.

Sonhei como nascia o sol
E o sol não nascia amanhã;
No tédio vi a estátua mole
Da mãe ausente ou da meia-irmã.

Sonhei, meu bom amigo,
Que sem a luz não há trigo,
Que a lava derretida
Sucumbia na descida.

Trota o frio…
A geada que corta é  cio.
A vida acolhe o invisível
E o amor é aquele beijo impossível.

A barca que me bateu à porta
É a geada íntima que corta.


Paulo Anes

Ode à Incerteza

Amo as portas abertas
Ao medo que o caminho tem
Do próprio ventre. O arvoredo passa.
Ao léu as folhas falavam.

Palpito inquieto do nunca
Ao não faço barulho no que há.
Amo os montes e as ervas e o mar
E o vento aos pés.

Aceito, pois, com incerteza assídua,
Carregar o esforço de que é fraqueza
Dar hordas de grandezas à vida
Nos jardins sem escombros.

Facilmente ancoramos leves,
Aparte o nós que nada longe no mundo lá
Que sossega a fraqueza e serve 
A força que nos serve.

Em mim, canto a esfinge 
A ideia de ondas que não afogam.
Canto o arvoredo que passa
Ao léu das folhas que falavam.


Paulo Anes

16/09/2015

Ode ao lirismo que há na minha raiva

Vento de lirismo desenfreado:
Devora tudo, leva tudo. Tu...
Ó terno medo cor da rosa
A corar ao tédio
Na luz da noite que me acompanha.
Não há tortura. 
Só os ávidos olhos.

Embalo-me.
Embalo uma vida-ela-própria.
Trago-a tão terna de ser daqui,
 Plantada em alodiais  
Que são do jeito de que assim é.

(E quando assim não é, não é.
Ou é anão ou Noé. 
É sim. Eu sei.)

À consciência dos livres, ao inesperado,
Servem inícios, grandezas, vitórias.
Aqui todos os escravos, e são são todos,
Pegam-se à raiva que há na minha raiva.

E a terra do mel doce e ateu revela ao céu 
Como foi o futuro.




Paulo Anes

14/09/2015

Fraqueza

Neste universo inverso
Não há uma única estrela,
Nem uma palavra, um verso...
Apenas e só uma vela.

Como num fútil banquete
Onde ninguém se alimenta,
Cindida do tarro e da mesa,
Transborda de dor alheia
A minha alma de fraqueza.


Paulo Anes

13/09/2015

Pressentimento

Ouço-me empedernido nas costas
Viro-me e não ouço nada de frente.
Estranho confuso e nulo
E aflito caio como quem pressente
Para cima de tudo o que me acontece
E acontece à gente.

Sorrio como quem não vê.
Mendigo como náuseas fora de prazo.
Andarilho neste quarto aos papéis.

Paulo Anes

11/09/2015

Absinto muito


O hálito empestado da vaidade,
Os carris da modernidade antiga,
A fadiga,
A poupança compulsiva da verdade,

O “pronto está bem assim”
A cobardia de viver amanhã
Sempre amanhã
"Qu'isto hoje não está p'ra mim"

A impotente esperança sem cor,
Nem pudor.
O medo que o futuro traz
Apegado
Ao passado
Invulnerável, mas incapaz.

E o sofrimento bolsado,
Insaciável, insaciado,
Baleado
De trás para a frente
Da frente para trás
P’la gente que não leva
Da gente que não traz?

E no meio do que fala
Em tudo isto
O que é que se faz?
Que é da vida?

Aqueço um cigarro, 
Acendo o céu da boca.
A vida, essa?!...
Ah!... Continua sempre pouca. 

Paulo Anes