Translate

02/07/2020

26/06/2020

O que interessa?

Não interessa saber o teu nome
Interessa o que  tenho para te dizer.


Paulo Anes

Namorada nova

Travessa do Fála Só
Nº: raíz quadrada do dois
Rés do chão torto cave
2020-covid-19
Lisboa com'ó milho
A fazer ó, ó, 
Com'ó mundo.

Paulo Anes

Melhor que nada

Se não sabes pensar
inventa uma história.


Paulo Anes

17/06/2020

Poema apaixonado por um deus inacabado

Porque é que eu não penso no inevitável 
como algo a evitar?


Paulo Anes

Sentido único

O único sentido da vida é fazer.
Nem que seja merda.



Paulo Anes

Há doze medos atrás

Há doze medos atrás,
Eu estava contigo
E tu, ainda, não estavas comigo...
Há doze medos atrás
Eu tinha pulsões
Nos pulmões
E os pulmões só tinham paixões.
Há doze medos atrás
Não existiam razões
Nas imediações.
Há doze medos atrás,
Tu tinhas saltos altos
No coração
E eu tinha os teus saltos
Na minha mão.
Há doze medos atrás,
Eu não queria calar as fobias
Sempre que tu ias
Carregada de agonias.
Há doze medos atrás,
Eu era o báculo de todos os medos
Que,agora sei,
Não passavam de enredos.
Há doze medos atrás,
Tinhamos um palmo de terra para nascer
E o mundo inteiro para morrer.
Há doze medos atrás..

Coração Vagamundo

Tu que lês o que escrevo
Na cor lida sentes bem;
Que não sei para onde me levo
Mas levo-te comigo também.

Coração vagamundo,
Coração incerto,
Deixas-me sempre fecundo
Quando te sinto tão perto.

 Vai, não pares
Sê um grande vagabundo,
Vai procurar o longe lá
Tão perto do meu fundo
Sem fundo

Paulo Anes

Diálogo entre dois seres vivos

- Viva!...
- Viva você também!...


Paulo Anes

O que estou a pensar?

O que estou a pensar?
Depois de uma volta ao mundo,
Ainda me sinto imundo 
Do que para aqui há..
Ah... ah ...ah... ah...
E pouco mais será,
Dos que não sabem o que é;
Só o que há....
Desdentados ao deus dará.
O que estou a pensar?
Que a vida é demasiado curta
Para vivê-la ao lado de filhos da puta.
O que estou a pensar?
Se te queres matar,
Porque é que não te queres matar?
O que estou a pensar?
Ah... que bonito é beber o ar
E não assentar.
O que estou a pensar?
Que o melhor é não matutar.
Estragar o belo
E assumir que não amo o que é de amar.
Paulo Anes

Aborto dias a eito

Só me é possível ver a dor sem a palavra
É-me impossível ver o som.
Mas a borboleta fora da lavra
Não é escrava
Apenas tem um dom,
Só,
Só o silêncio
Intenso.
Milagre
Fora da eternidade.
Aborto dias a eito
Como se amar fosse um feito.
Mas amar sem sim?
Não é possível tricotar
Com efeito.
Visível?
É possível,
Num encanto desfeito.
Seja qual for o defeito,
Amar sem sim
Condena-se
A um derradeiro fim

Dor sem eco

Vejo-a sem eco
Num mar intenso
Profundamente aberto
Profundamente imenso
Vejo-a  sono
Que degenera
Ou  cão que desespera
Humilhado pelo dono
Vejo-a como latas de partida
Vejo-a num leito sem dormida
Vejo-a derrotada
E em cada encruzilhada
Beijo-a no ocaso da despedida

Paulo Anes

À beira do pé

Ao pé das margens de ti,
Eu vi
Há uma choupana 
Adorada por árvores bizarras
De quem me esqueço os nomes

Onde florescem exageros de amores
Sobre um fio de luz
Rosa Cruz
De capitosas flores.



Paulo Anes

20 contar

E ficou a raiz quadrada dos dois
A gozar todas as propriedades comutativas
De nós

Subtraindo terços aos rosários

Somados vezes sem conta
Por incógnitas de amor
Elevadas a ti
Menos tu
Igual a mim próprio
.


Paulo Anes

Num sorriso enrugado

O amor compra e vende a perfeição,
Conclaves e desesperos da razão.
E tu enrugada num sorriso
Como se o céu fosse o paraíso.


Paulo Anes

Chegou a saudade

Chegou a saudade
Confusa, fora de si.
Agora quero a liberdade.
Viver onde não morri.


Paulo Anes

No sossego de ti

Veste-te de poesia nua
Calça essa loucura
Descalça e crua.
Vai... voa!...
Não é à toa 
Que o que o amor
Que em ti padece
Nunca esmorece.


Paulo Anes

Idiossincrasia

Nunca vou a funerais
cujo único conhecido é o morto.


Paulo Anes

Funerária Paixão

Você é linda de morrer.
Estou mortinho 
por conhecê-la.


Paulo Anes

Se

Se há algum mistério
Em mim
O mistério não é meu...
Sou eu.

Paulo Anes

24/05/2020

Onde nada acaba

Chegou.
Olhou.
Viu como se ouvisse
Tacteou como se falasse
Bocejou como se amasse
Embutida no disfarce
Dessa música recatada
Onde tudo começa
E nada acaba

Paulo Anes

13/05/2020

Cavaleiro Monge

Cavaleiro Monge ,
Diz-me ontem o que foi hoje...

Será que a Eva tão, tão, tão
Tão perto do cego olhar,
Terá, enfim, outro Adão
Se não o embalar
Num desejo desejado
Condenado
A desejar?

Cavaleiro Monge,
Diz-me ontem o que foi hoje...

É justo pedir ao leme
O que o homem não quer dar?
Haverá paz mais corcunda
Que a paz do nosso lar?

Cavaleiro Monge...

O homem do leme foge...

Paulo Anes

23/02/2019

Fernando Dacosta (Valete, Frates)




"... Acompanhar este "Parto de Fé" é emergir em universos
onde a escrita ganha com vocações indizíveis de mestria,
de pensamento,de comunicação com invulgar significado

Paulo Anes faz parte dos criadores que chegam elipticamente,
elevando-se como cometas de muitos tempos, muitos voos, muitos mistérios.
Autor de cumplicidades, concilia, como poucos, contenção e sugestão,
racionalismo e secretismo, individualismo e universalismo.

Discreto, secreto, dotado de capacidades de percepção
invulgares que a inteligência, a vivência decantaram,
cumpre a sua afirmação fora das correntes dominantes,
norteado por uma exigência poética, filosófica, humanista, inamovível,
fazendo-se navegante subtil de horizontes a atingir
que tem na criatividade e na liberdade mapas sem recuo..."

Fernando Dacosta

24/12/2018

Olha para o céu

Olha para o céu.
Olha pelos olhos das estrelas.
Vês?
Não se pode amar 
Senão a liberdade.


Paulo Anes

30/11/2018

Conversaremos durante a viagem


E se fossemos a sumir
Remar onde fingimos?
E se fossemos abrir
rasgar o que embrulhámos?

Se fossemos a mar?
Dizer a Deus?
Regar o que amamos?

Se fossemos, vamos.
Conversaremos durante a viagem.



Paulo Anes

29/11/2018

Epifânia

Ó que eu sou tudo,
Sou português.
Um quarto no céu
Um quarto no inferno
Uma água-furtada no definitivo talvez.


Paulo Anes

08/11/2018

Uma cegueira cega de rachar.


Vejo o mapa do mundo 
Saciado de potências impotentes. 
O que resta do desencanto ? 
Orgulhosos da nulidade.
Mortos salgadas por quase vivos.
Liberdades em lugares cativos
Cegueiras cegas de rachar.
E uma ilha exilada de amores por vindimar.

Paulo Anes

31/05/2018

Com olhos ceguinhos de chorar

E se um dia
O dia fosse dia?
E se um dia
O mundo voltar?
Ah...
Nesse dia
Estarei por cá
Só para o amar.
Até lá
Atavio-me
Com olhos ceguinhos de chorar

Como quem brinca


A visão corrente do dia que volta
Empresta-me a certeza interna e brusca
Que me arrasta na face do momento
Como quem brinca com uma sombra
À espera que a tristeza passe.

Paulo Anes

Paisagem sem trela

Estou com aquela 
Meia sensação de intervalo.
Não é disforme nem bela,
Apenas harpa de ânsia doida
Brisa que rasga 
A tela selvagem; 
Procela 
A cavalo
Na paisagem sem trela

Paulo Anes

04/03/2018

Amo-te

Não me interessa saber o teu nome
Interessa o que  tenho para te dizer.

Paulo Anes

17/02/2018

Fuga em dor maior

Apaixonar-me 
P'la dor no Bojador
Apaixonar-me 
P'lo Preste João
Apaixonar-me
P'lo Magalhães no estreito,
Apaixonar-me 
P'lo fim e ao cabo
Apaixonar-me 
P'lo Cabo das Tormentas,
Apaixonar-me 
P'la alcoviteira louca
Apaixonar-me 
E morrer na minha boca. 



Paulo Anes

18/01/2018

Não tomar chá pela vida

Paisagns emparedadas
Primas dos perdidos
Fadas atiçadas
Toques de Midas
Jardineiros falidos
Colhidos no camarim
Prenunciando todo o vigor do Clarim.

Amén.


Paulo Anes

13/01/2018

Mãe


És o pão do dia, a noite preferida,
Chama que dá chama ao fogo,
Lugar do porto, partida,
Pandora aberta à esperança 

És intuição de paz   
Nos sinclinais da impiedade

E nesse dom aveludado, 
De intensidade voraz, 
Quebro a tensão da minha alma no teu colo 
E ronrono réus reabsolvidos 
Ao ritmo que tu sabes. 

E tudo são verdades...



Paulo Anes

18/10/2017

Ignoto Deo

- Amor, o que pensas de Deus? 
Ela sorriu.
Rebaixou a roupa do corpo 
Humilhou a roupa da cama.
E enviámos anjos como emissários
À nossa imagem e semelhança.
Enviámos demónios como corolários
Da abastança.
E obrigámos Deus a ser um animal
Da nossa espécie.



Paulo Anes

31/07/2017

No Barrocal da minha infância


No Barrocal 
Da minha infância
O Douro imperial
Fecundo lá ao fundo
Acoitava de paixão e abundância
A Barragem menina
(Que o animava e anima)
Reclamando ecos de amor profundo
P'las longas arribas acima.

Deus e o Diabo?
Era igual.

Nos céus reinavam o grifo
O falcão-peregrino, 
A águia-real.
Na terra... 
Ora a igreja, 
Ora a sacristia
Ora a missa que o padre Pinto dizia
Ora a Biblia esculpida
Nas escarpas abruptas, 
Dos morros excessivos.
(Isto, claro, nos meus sentidos)

O Orlando estudava
O Adelino corria
O Morais orientava
E a Alda Maria
O colo cheio de graça 
Que tão bem sabia.

Crianças da minha idade 
Não sei se havia.
Era o Lázaro de regresso à vida
Na loucura enternecida do dia a dia
Era não haver o que não havia
Como, por exemplo, a palavra saudade...

E era tudo tão verdade.

Paulo Anes

26/07/2017

Deus me perdoe

Não padeces de dor
Não és tocado pela vingança
Não te abate a fadiga
Não te ameaça o perigo
Não és sensível a preces e orações
Não podes evitar sermões
Que abatem o teu próprio templo
Nem as guerras
As perdas
E essas merdas

Não podes ferir
Ser mau exemplo
Pecar
Ou mentir
Magoar
Gargalhar
Ou rir
Fracassar
Ser culpado
Estúpido
Ou julgado

Não podes não ser
A não ser imperfeito
Não podes morrer
Ser injusto
Ou ter defeito
Não podes sentir o pânico feito
De cilício de gente
Que vive, vivia
Sofre, sofria

E custe o que não te custar
Não podes trabalhar
Desde o sexto dia

Ó Deus todo poderoso, vá lá!...,
Como podes refrear a vontade humana
Se o que podes não dá
Sequer para uma semana?


Paulo Anes

22/07/2017

O dia inteiro à espera

O dia inteiro à espera
Do que é preciso que não doa muito.
Falta um ombro 
Onde a cabeça em balada
Aprenda a saber  
E aprenda a saber deixar de saber. 

Ombro de infinito e infâmia,
Que me liberte da ternura das palavras 
Que absolvem os homens;
Que ensine a dor como fonte,
O crime como inevitável, 
A consciência do crime como necessidade...

Sem bençãos que amoleçam
Nem lágrimas que me aparem os golpes.



Paulo Anes